Máquina de desenvolver ou cavalo de Troia?

Por Lúcio Flávio Pinto | Cartas da Amazônia



A privatização da Companhia Vale do Rio Doce completará 15 anos em menos de um mês, no próximo dia 6 de maio. Apesar desse tempo decorrido, até hoje tramitam ações na justiça para desfazer a venda da CVRD, fazendo-a reverter à condição de estatal. Não é uma questão encerrada, uma página virada da nossa história recente,

Para os mais céticos, que se consideram apenas realistas, essa meta é mais do que utópica: é impossível. Apontam para os sucessivos recordes que a empresa bateu durante essa década e meia, consolidando de vez sua condição de companhia privada.

O lucro líquido do ano passado, o maior de todos os tempos, foi equivalente a 30 bilhões de dólares. É quase 10 vezes mais do que o valor pago pelo consórcio vencedor do leilão de 1997 por 42% das ações ordinárias da então estatal.

O preço de venda é um dos nós engatados na consciência da opinião pública nacional. Até a revista especializada europeia Euromoney admitiu que o preço de mercado tivesse que ser pelo menos três vezes superior aos US$ 3,3 bilhões desembolsados pelo consórcio liderado por Benjamin Steinbruch.

Ele surpreendeu ao superar o lance do outro consórcio, comandado pela Votorantim, da família Ermírio de Moraes, que era considerado favorito, por ser o representante maior da cultuada "burguesia nacional". A surpresa não durou muito: logo Steinbruch se desligou da Vale, concentrando os seus negócios na Companhia Siderúrgica Nacional, também ex-estatal.

Essa nova surpresa levou muitos observadores a levantarem suspeita sobre quem seria o dono de fato da empresa. Não era uma dúvida qualquer. Ao ser privatizada, com 43 anos de existência, a Vale já era a maior vendedora de minério de ferro do mundo.

Tinha uma das maiores frotas de grandes navios graneleiros do mercado. As melhores jazidas de minérios do país. E um invejável sistema de transporte. Era a mais cobiçada das pedras da coroas que o Estado brasileiro exibia, no híbrido capitalismo nacional.

Esse poderio só fez se expandir — e a uma velocidade sequer suspeitada — desde 1997. A Vale produz três vezes mais, tem o maior sistema logístico que uma corporação particular opera em qualquer lugar do planeta, atua em 16 Estados brasileiros e em 36 países, tendo meio milhão de pessoas como seus empregados ou dependentes diretos.

Consolidou-se como a segunda maior mineradora do mundo — e a mais diversificada. É a maior empresa privada do Brasil, a maior do continente e uma das 20 maiores do mundo. De cada 10 dólares que entram no caixa do tesouro nacional como resultado de exportações, US$ 2 resultam de atividades da Vale no exterior.

Privatizada, ela se tornou gigantesca como jamais se podia imaginar. Parece mais estatal do que nunca, embora tenha se tornado uma das mais visceralmente privadas das corporações mundiais. É das que mais distribui dividendos aos seus acionistas, como efeito da busca por lucros cada vez maiores, batendo recordes sucessivos de rentabilidade.

A grande alavanca se formou em 2005. O preço do minério de ferro disparou para patamares nunca antes imaginados, como diria Camões (ou Lula). A Vale chegou a ser, durante certo tempo, maior do que a Petrobrás.

A mudança drástica se deveu ao consumo incrível da China. Os chineses absorvem um terço do minério do mundo. É para eles que vão 60% do ferro escoado pelo maior trem de carga do mundo, desde a província mineral de Carajás, no Pará, sem similar na Terra, até o porto da Ponta da Madeira, no Maranhão.

Haveria um agente oculto nessa oração? A pergunta suscita todos os tipos de teorias conspirativas, mas não há fantasmagorias nas ilações. O Bradesco é o maior acionista privado da Vale, mas não podia ser portador de ações. As regras do leilão proibiam que dele participasse o responsável pela modelagem da privatização. E o modelador foi o Bradesco.

As normas da venda também vedavam o ingresso na sociedade dos compradores de minério de ferro. Era lógico: haveria conflito de interesses se alguém vendesse e comprasse ao mesmo tempo. Mas a japonesa Mitsui é a maior acionista estrangeira da Vale.

Como esses absurdos se tornaram possíveis?

Em tese, mesmo privatizada, a Vale é uma empresa brasileira: 65% do seu capital votante pertencem a pessoas ou instituições diomiciliadas no país. Através de fundos estatais e do seu banco de desenvolvimento, o BNDES, o governo brasileiro tem 41% das ações ordinárias, que conferem decisões aos seus portadores.

O executivo federal detém ainda as ações especiais Golden Share, que lhe dão certos poderes diretos sobre a gestão da companhia. Por que, então, o governo vive a reclamar do que a Vale faz, como se lhe fosse um estranho? Por que não previne situações ao invés de se opor a elas depois, quando já se transformaram em fatos consumados?

A Vale se especializou em distribuir dividendos, cada vez maiores. De uma empresa assim talvez seja mais interessante comprar ações preferenciais, que, como o nome diz, conferem direito de preferência na partilha dos lucros. Estas ações são controladas por investidores privados — e estrangeiros, que se concentram na bolsa de Nova York.

Especializada na venda de commodities minerais, a Vale também está atrelada aos compradores, com ênfase especial na China. Atrelamento perigoso. Tanto mais quanto o grau de endividamento da empresa em moeda estrangeira constrange sua apregoada autonomia.

Venalidades e aviltamentos de valor à parte, o mais grave no processo da privatização da CVRD foi a falta de informações ao cidadão, que, como o povo, durante a madrugada em que o Brasil dormiu imperial e amanheceu republicano, viu a tudo bestializado.

O governo não privatizou apenas uma estatal: ele entregou poder equivalente ao de um Estado a uma única empresa; entregou um país. O país Vale. O país Brasil não pode ignorar que em seu território age um país Vale. Como catapulta do desenvolvimento ou cavalo de Troia.

Com tais preocupações, decidi criar um blog empenhado em revelar a poderosa Vale para os brasileiros, para que eles sejam efetivamente seus donos, não apenas nominalmente. Só se domina o que se conhece. De fato, em profundidade, com substância.

Todas as pessoas com o mesmo interessem podem participar dessa roda de conhecimentos. Do diálogo talvez se consiga montar um painel revelador, denso e sólido, sobre a atividade da Vale, da qual depende parte considerável dos destinos nacionais.

É um momento propício a essa iniciativa. O Brasil se esforça por aumentar a taxa incidente sobre a mineração. Uns querem elevar a alíquota, que é baixa. Outros defendem ampliar a base de cálculo (que não inclui seguro, transporte e imposto, apenas o custo direto de produção do minério). Essas falhas impedem o Brasil de participar decentemente nos resultados da atividade mineral.

Minha proposta é para que se cobre participação nos lucros da empresa de mineração. O argumento que ela usa contra taxas mais elevadas ou de maior retorno é que afetam a sua competitividade internacional. A alegaç não pode ser aplicada à participação no lucro líquido.

Se o poder público tivesse direito a 10%, teria recebido no ano passado o equivalente a três bilhões de dólares. Não é mais interessante e justo? Manifeste-se acessando o blog: www.valeqvale.wordpress.com. O debate já foi servido.

fonte:
A Vale que vale

valeqvale.wordpress.com
Grande empresa, sim, mas em favor do Brasil

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